Thursday, December 29, 2005

Bye, bye 2005, Bem vindo 2006

Sem grandes elocubrações sobre 2005 - afinal, ele está em detalhes aqui, resta apenas dizer que foi um ano bom, muito mais bom do que mau. Aliás, eu tenho a impressão que os anos estão sendo mesmo cada vez melhores- mais floridos e interessantes...

Sem grandes resoluções para 2006 - apenas alguns pensamentos predomintantes:

- " I finally got to exactly where I wanted to be, she said, so
why won´t all these growth experiences go away
& leave me alone?"
Brian Andreas

- "I spent a long time trying to find my center
until I looked closely one night
& found it had wheels & moved easily in the slightest breeze,
so now I spend less time sitting and more time sailing."
Brian Andreas

- "I´d rather learn from one bird how to sing
than teach ten thousand stars how not to dance."

e.e. cummings
´Só uma mini reolução/pedido de Ano novo: que eu aprenda a gostar de andar de pedalinho e pare de pular de lancha desgovernada em lancha desgovernada (que invariavelmente atingem muros, e becos sem saidas e precipícios...)

Mas, principalmente, que em 2006 ser feliz consuma todo o tempo.

E lá vou eu para Itamambuca...

Friday, December 23, 2005

Quanta saudade...


Não tenho o sol escondido
no meu bolso de palavras.
Sou simplesmente um homem
para quem já a primeira
e desolada pessoa
do singular - foi deixando,
devagar, sofridamente
de ser, para transformar-se
- muito mais sofridamente –
na primeira e profunda pessoa
do plural

- Thiago de Mello -

Há tempos amo este poema - e, desde que deixei de trabalhar para causas, diríamos, mais nobres, acabei vendo ficar mais distante a possibilidade de utilizá-lo... Mas agora, véspera da véspera de Natal, me pego tão cheia de saudade que o poema se encaixa perfeitamente... Aliás, não consigo pensar em nenhuma causa mais nobre.
E não consigo mais me pensar plena sem ser assim, como nesta foto...
Amo vocês - tanto, tanto, tanto que está meio (muito!) doído não poder estar perto...
Meu consolo é a certeza que "i carry your heart(i carry it in my heart)"
(e.e. cummings)

...

let it go-the
smashed word broken
open vow or
the oath cracked length
wise-let it go it
was sworn to
go
let them go-the
truthful liars and
the false fair friends
and the boths and
neithers-you must let them go they
were born
to go
let all go-the
big small middling
tall bigger really
the biggest and all
things-let all go
dear
so comes love


e.e. cummings

Wednesday, December 21, 2005

Instantes-pirilampos

Mas o instante-já é um pirilampo que acende e apaga, acende e apaga. O presente é o instante em que a roda do automóvel em alta velocidade toca minimamente o chão. E a parte da roda que ainda não tocou, tocará num imediato que absorve o instante presente e torna-o passado. Eu, viva, tremeluzente como os instantes, acendo-me e me apago, acendo e apago, acendo e apago. Só que aquilo que capto em mim tem, quando está sendo agora tranposto em escrita, o desespero das palavras ocupando mais instantes que um relance de olhar. Mais que um instante, quero o seu fluxo.
Clarice Lispector


Tem acontecido muita e pouca coisa por aqui.
Sem necessidade de expor detalhes nem tempo de manejar o "desespero das palavras", ficam aqui só mesmo umas fotos - "relances de olhar"...

Harén das 10.001 noites - 6/ dez

(E tudo é motivo para recomeços... até completar 10 mil dias... )











Final de semana no Rio - 10 e 11/ dez -
com direito à Passeios por Santa Tereza,
Mergulhinho em Ipanema,
Roda de Samba fantástica no BipBip, continuando pela Lapa e emendando na quadra da Mangueira. Ufa!

E no dia seguinte, Igreja da Candelária e Centro Cultural Banco do Brasil.






Almoço de Natal - 18/dez
O Peru, que chegou antes... e batatas infantis, coitadas, vão precisar de anos de terapia para deixarem de se sentir cuipadas ... (Sorry pelo "private joke")

Sem contar as rabanadas trazidas pela Suzy e as Mousses da Ana.







E teve ainda fo Apareça, festa da Procter, Forró, Festas de Natal outras, churrascos...

A vida anda boa,
eu é que tenho essa necessidade meio lunática de transformar tudo em montanha russa...

E o comitê anti-Jane-Fonda recebendo cada vez mais reforços - inesperados, de todos os lados...

Monday, December 19, 2005

Tratado sobre a amizade

Eu tenho mesmo as melhores pessoas em volta de mim...
Que me entendem - e então me explicam!!
Que "ao menor sinal de perigo, entram em ação" - oferecendo colos, girassóis, poemas, ombros e companhia para cerveja. Ou pra dançar, ou ir ao cinema, correr no parque, tomar sorvete do América, fazer nada junto.
Que, quando eu conto a estória mais absurda, ao invés de sair dizendo o que pensam e se eu deveria ou não ter agido de tal forma, respira fundo e pregunta: " e como você está se sentindo?"
ou "onde é que você estava com a cabeça?"
ou, depois de uma "cagada anunciada", fala com serenidade: "bem feito, você sabia o que estava fazendo" e depois assopra.
Que, melhor dos elogios, me compara à Leila Diniz, dando uma leitura toda nova às minhas maluquices;
Que contam maluquices também, para ajudar a lembrar que "de perto ninguém é normal".
ou me presenteia com um vasinho para garantir que flores estarão sempre perto, ou uma bolsa de chita, pra alegrar dias nublados...
Que me acompanham no Segundas Intenções, nas cirandas, rodas de samba e até monólogos!!!
Que brotam via Email, MSN, telefone, pombo correio,sinais de fumaça pra garantir que estou inteira depois de um final de semana que prometia ser tenso. Ou depois de um tratamento com radiação.
Que surgem do nada só para me lembrar que existem - e evitar que "eu me mate de amor por uma pessoa só."
Que me ajudam a não criar mais dragões, a perceber que "he´s just not that into you", que para uma estória ser fofa, ela precisa primeiro ser uma estória.
Que me ajudam a pensar. E a rir de tudo, tudo, tudo... afinal, "se até a Jane Fonda"...
E puxam minha orelha, e dizem "vai passar", e dizem "isso também vai passar"... e que não desistem, não desistem de mim...
Como na semana passada, quando eu estava jururu e atendi aos telefonemas super rabugenta - afinal, não estavam me deixando fazer o que eu queria - ficar surtando em espiral!! Ainda bem que além de perpicazes, vocês são tão teimosos quanto eu!!
Fica este ""tratado sobre a Amizade": meio um agradecimento, meio presente de Natal.
Obrigada por tudo, principalmente pelo olhar atento. Amo vocês.


Tratado sobre a Amizade
Luiz Martins


Ficaremos amargos porque chove sem parar estragando-nos o passeio, porque o telefone não funciona, porque escorregamos numa casca de banana e sujamos roupa nova, porque essa vida é uma droga insípida, porque perdemos pai e mãe, porque as noites são longas, porque os homens são ferozes, porque os caminhos da morte são curtos eos da felicidade incertos, porque não conhecemos a rota para Pasargada? Não, não ficaremos amargos. Poderemos ficar tristes, desiludidos ou desesperados, mas amargos não. Se perdemos o avião, a carteira ou as ilusões, não perdemos tudo. Restam-nos os amigos.
Creio que um dia ainda hei de escrever um tratado, muito extenso, judicioso e acaciano, sobre a Amizade. Direi que a amizade é o mais puro dos sentimentos e que um bom amigo vale mais do que a jóia mais cara. Direi isso de um jeito solene e sisudo, como se estivesse desobrindo verdades insuspeitadas e precisasse ensiná-las aos homens. Não fará mal nenhum que riam de mim. Não será um livro para os críticos nem para o público geral, mas apenas para os meus amigos. Será mais particularmente ainda, para uns três ou quatro indivíduos de ambos os sexos que nos momentos das minhas angústias tenho certeza que mais próximo de mim vão estar, será para o amigo constrangido e “gauche” que nada saberá dizer para me consolar, mas que me olhará nos olhos com ternura e silêncio, batendo-me no ombro de certa forma comovida que eu bem hei de compreender e sentir; será para o amigo o mais dedicável, o mais incansável, o mais disposto a servir, e que por isso mesmo é sempre o mais importunado pelos problemas alheios; e será, sobretudo, para que teus olhos o leiam que hei de escrever esse livro absurdo – doce, admirável, devota amiga.
A essas pessoas que me querem bem hei de ensinar, por exemplo, que a Amizade é mais duradoura que o amor. E elas hão de ficar espantadas com minha ciência e boquiabertas, cheias de admiração, dirão umas às outras:”como ele sabe das coisas!” E, apesar de tudo, não ficarei vaidoso. Aceitarei esses elogios com um jeito retraído e modesto, tendo nos lábios um sorriso bastante simpático e um tanto idiota, sorriso de colegial que tirou o primeiro premio de comportamento no ginásio.
Sim, hei de escrever um dia esse livro tolo e comovido, que nenhum editor publicará, escreverei eu mesmo a mão, lentamente, carinhosamente, os quatro ou cinco exemplares que constituirão toda a edição. Depois, neles porei dedicatórias afetuosas, remetê-los hei pelo correio e passarei a escrever minhas memórias.

Monday, December 12, 2005

Querido rim,

Eu sei que essa estória de você insistir em se deixar abater pelas bacterias mais bobas - mas ainda assim me deixar doendo e de cama e me sentindo fraca, fraca - é uma tentativa desesperada de me proteger, de me dar uma desculpa socialmente aceitável para eu ficar jururu e querendo colo. Eu sei, entendo e acho louvável este empenho em ajudar, mas...
Apesar de isto ter funcionado algumas ( muitas!!!) vezes, o cenário mudou, mudaram os atores e, principalmente, mudei eu- e o que aliviava a vida tempos atrás, agora anda complicando um pouco as coisas.
Eu sei que você fica com muito medo quando eu começo a ficar mais feliz - que é só tudo caminhar mais tranquilamente para você antever a queda... Mas, preciso dizer que, ultimamente, me deixar doente só antecipa a queda: não evita, não ameniza. Pior: me impede de aproveitar a subida, a paisagem, a sensação de acreditar que vai dar tudo certo, sempre.

E, apesar de nas últimas vezes em que eu ousei ser mais feliz ter rolado um tombo monstro na sequência essa regra não precisa, não deve!! - se perpetuar... e que, de qualquer forma, do chão nunca passei. A impressão de ter passado, de ter sido o tombo mais alto do mundo, foi por puro contraste com a pseudo alegria de antes ("brigada, Gustavinho, por me entender e me explicar)

Enfim, queria dizer que eu posso sim dar este passo, que eu posso sim, ousar ser mais feliz... E não vou mentir: talvez eu quebre a cara de novo, mas... vou saber levantar de novo! Porque meus amigos estarão aí de novo pra me ajudar a levantar e rir de tudo, cirar fôlego outra vez...

Portanto, querido rim, aguenta firme aí, não deixa essas bacterias (do)minarem o caminho.
Eu me comprometo a não querer aguentar tudo sozinha - e vou pedir e aceitar colo e cuidados, mesmo sem uma desculpa "física" para isso. .
E vai ficar tudo bem.
Aliás, vai ficar tudo cada vez melhor - então você por favor, comece a se acostumar porque a alegria só vai aumentar, o amor só vai aumentar - dentro e fora, de todos os lados e cada vez mais intenso e mais maduro e mais louco e mais leve e mais sereno e de mais gente! - simplesmente porque isso é que é o certo e ninguém no mundo, nem o próprio mundo!, tem o direito de nos convencer do contrário. Aliás, qualquer pessoa ou fato que te incline para este pensamento, de que há pouco amor no mundo, ou pouco amor reservado pra você, está errado. E, se não for possível convencê-lo do contrário, ao menos não se deixe convencer por esta bobagem.
Por favor, re-transmita esta mensagem para os outros órgãos todos, para que se preparem também para esses tempos muito felizes que vêm por aí.
Só não precisa mandar para o coração e o cérebro, que já estão copiados e concordam com cada palavra. Pensando melhor, pode mandar para eles também - algumas verdades parecem tão absurdas quando ficam adormecidas durante muito tempo que não devemos desperdiçar nenhuma oportunidade de repetir, repetir, repetir, até que sejam incorporadas como verdades, principalmente quando se tem um coração e um cérebro teimosos.

todo o amor do mundo,
Juliana

Thursday, December 08, 2005

Pra ver deitar o sol...


Casa Pré Fabricada
(Marcelo Camelo)

Abre os teus armários.
Eu estou a te esperar para ver deitar o sol
sobre os teus braços castos.
Cobre a culpa vã ... até amanhã eu vou ficar
e fazer do teu sorriso um abrigo.
Canta que é no canto que eu vou chegar.
Canta o teu encanto que é pra me encantar.
Canta para mim, qualquer coisa assim sobre você.
Que explique a minha paz.
Tristeza nunca mais.

Vale o meu pranto que esse canto em solidão.
Nessa espera o mundo gira em linhas tortas.
Abre essa janela, a primavera quer entrar
pra fazer da nossa voz uma só nota.
Canto que é de canto que eu vou chegar.
Canto e toco um tanto que é pra te encantar.
Canto para mim qualquer coisa assim sobre você
que explique a minha paz.
Tristeza nunca mais.

Meio pretencioso esse "tristeza nunca mais", mas enfim...
Esta música (aliás, a versão da Roberta Sá é bem mais gostosa que a da Maria Rita) anda querendo vir pra cá há tempos pois há tempos eu estou assim, muito em paz.
E nem preciso tanto "que explique a minha paz" - preciso só que continue assim, pra sempre (e pra sempre, segundo Thiago de Mello, quer dizer enquanto).
É um pouco como esse céu de depois do furacão - a calma imperando sobre o caos. Orvalho e tempestade, como o Marcos traduziu tão bem.
Uma espera serena.
Um abrigo do vento.

Wednesday, December 07, 2005

Molecagem

Ando sem muito tempo para "internautices"...

Talvez por querer ser muito cuidadosa com o que escrevo, este respeito à palavra escrita de sempre... Mas fato é que ando deixando de registrar algumas "pérolas"/ perguntas/ pensamentos desses ultimos tempos...
Então aí vai, meio em "stacatto", sem pensar muito, ou melhor, disperso como andam meus pensamentos....

- Estou praticamente desde que voltei de férias sem celular ( esqueci em um treinamento e´foi toda uma epopéia/palhaçada para recuperar). Talvez a única forma de eu me proteger de mim mesmo. Menos da mulher butoh e mais, muito mais, da menina que quer tanto colo sempre.


- Pra toda mulher que tenta descobrir sobre suas vidas passadas é dito que ela foi uma mulher de personalidade forte no Egito ou na Grécia e também uma cigana. Será puro charlatanismo? Ou serão simplesmente estes os melhores arquétipos para justificar os comportamentos/ medos mais frequentes da mulherada? Será que todas as egipicias, gregas e ciganas re-encarnaram como classe média paulistana? Fato é que nunca ouvi ninguém dizer que teve uma vida ordinária (plantadora de trigo, lavadeira, sei lá...) em outra encarnação...

- Comprovação do óbvio ululante - reaplicar técnicas de extremo sucesso em outros tempos não implica em sucesso nestes tempos. Principalmente em tempos de reforma, com tanta água tendo passado e passando embaixo da ponte. Principalmente com tão menos pre-disposição a soltar as rédeas. Principalmente depois de ter sido tão mais. A boa notícia é que sem dúvida o próprio "tão mais" reaplicado também já seria bem menos.

- Coisa mais triste ser cúmplice de um casamento em declínio. "loose-loose" proposition. Didático, entretanto. O pouco empenho, o pouco cuidado com os detalhes, taking all for granted... atribuí o início do declínio a este comportamento. E anotei no caderninho com todas as outras coisas que eu gosto de imaginar que conseguirei evitar (até me flagrar fazendo igualzinho, igualzinho.... )

- A cada silêncio mais longo, vontade de jogar tudo pra cima e sair correndo. A cada palavra doce, alívio por não ter jogado nada e ainda mais vontade de manter tudo por perto. trazer pra dentro. Mas... "Como é que eu me apoderaria daquilo (...)?Aproximei-me.Não podia me dar ao luxo de pedir, lembrei-me de todas as vezes em que, por ter tido a doçura de pedir, não me deram."(Clarice Lispector)

- Conselho mais escutado: "deixar as coisas acontecerem espontaneamente". E quem me ensina a desligar essa "porção Woody Allen" do cérebro ?

- ùltima inquietação: Quem quer muito, muito voltar para algum lugar... é no espaço ou no tempo que quer voltar?

Enfim, fica aqui, meio de qualquer jeito, meio "fazendo na cozinha uma careta para as visitas que estão na sala"(Clarice ou Fernando Sabino, já não sei).

Meio uma molecagem, muito para que não se perca mesmo.

Sunday, December 04, 2005

A cada mil lágrima sai um milagre....


Milágrimas
(Itamar Assumpção e Alice Ruiz)

Em caso de dor ponha gelo
Mude o corte de cabelo
Mude como modelo
Vá ao cinema dê um sorriso
Ainda que amarelo, esqueça seu cotovelo
Se amargo foi já ter sido
Troque já esse vestido
Troque o padrão do tecido
Saia do sério deixe os critérios
Siga todos os sentidos
Faça fazer sentido
A cada mil lágrimas sai um milagre

Caso de tristeza vire a mesa
Coma só a sobremesa coma somente a cereja
Jogue para cima faça cena
Cante as rimas de um poema

Sofra penas viva apenas
Sendo só fissura ou loucura
Quem sabe casando cura
Ninguém sabe o que procura
Faça uma novena reze um terço
Caia fora do contexto invente seu endereço
A cada mil lágrimas sai um milagre

Mas se apesar de banal
Chorar for inevitável
Sinta o gosto do sal do sal do sal
Sinta o gosto do sal
Gota a gota, uma a uma
Duas três dez cem mil lágrimas sinta o milagre
A cada mil lágrimas sai um milagre

Espetáculo lindo, lindo, do Ivaldo Bertazzo com o Dança comunidade... no Sesc Pinheiros até janeiro...

Thursday, December 01, 2005

Casa em Reforma VII

Coração passado a limpo

(...) vou mandar passar meu coração a limpo. Há muitos, muitos anos que ele está todo embaralhado, confuso e incompreensível. Desde jovem nele fui escrevendo todas as emoções, amores, ódios, amizades, inquietações, amarguras e decepções. Está cheio de erratas, emendas, rasuras, retificações, chamadas e riscos. O que foi escrito um dia a tinta vermelha com um amor incomensurável e infinito, anos depois foi rasurado violentamente resultando daí um borrão horroroso. Amizades tiveram que ser retificadas:“digo, indiferença”; ambições inscritas em letras maiúsculas foram emendadas com ceticismo e desalento: “aliás, cansaço ou tédio”. Por cima de ódios velhos, registrados com letra já quase imperceptível, escrevi, mais tarde, mensagens de amor e de esperança.

Há palavras e frases traçadas em todos os sentidos, daí resultando às vezes equívocos tremendos, verdadeiros trocadilhos de sensações. Eu mesmo custo a decifrar o que quis dizer. E se eu próprio já não entendo meu coração, quem poderá entendê-lo? As palavras e os sentimentos amontoam-se e atropelam-se. Odes e pastorais misturam-se a fragmentos de romances, cânticos de doce lirismo estão entrelados a simples registros de “fait divers”. Onde ontem estava reproduzido a tinta azul o diálogo de Adão e Eva ou o idílio de Romeu e Julieta, é possível que hoje apenas se veja um trecho de discurso político ou a cópia do último orçamento municipal. Em compensação, por cima de um grave tratado de psicologia, transcrevi com emoção as quadrinhas ingênuas de uma ingênua serenata... Uma balbúrdia, um inferno!
Do jeito que vão as coisas, daqui a alguns anos meu coração será um imenso borrão de várias cores, que nenhum ser humano jamais decifrará. Vou mandar passar a limpo e tirar várias cópias, não muitas, que hei de distribuir pelas pessoas que eu amo e que me amam. Com índices remissivos e gráficos. É possível mesmo que inclua algumas ilustrações e dois ou três retratos. Você aceita uma cópia?

(Luis Martins - in Ai vai meu coracao - Cartas de Tarsila do Amaral e Anna Maria Martins a Luis Martins )

Enfim, bem ou mal, acho que "passar o coração ( e os pensamentos,e a vida!) a limpo" é o que eu tenho mais feito aqui... Resta saber se ainda há coragem para fazer as tais cópias...

o ano que deixou de existir

Meu Reveillon já foi, em outubro.
O ano imediatamente anterior foi soterrado com praticamente tudo dentro. Que falta de delicadeza falar dos mortos...
Conclusão: pateticamente, desde ontem não paro de me entupir de doces, acordei com um torcicolo bizarro, estou brava como a muito tempo não ficava. Até a cesta de Natal que chegou em casa ontem virou alvo de minha ira.

Estou over-reacting? Sim, estou over-reacting.
Eu avisei, repetidas vezes, que a casa ainda estava em reforma, eu me cerquei de placas e sinais de "mantenha a distância" - portanto tenho todo o direito de soltar os cachorros.

Deus do céu, quantas pás de terra ainda serão necessárias???