Monday, December 19, 2005

Tratado sobre a amizade

Eu tenho mesmo as melhores pessoas em volta de mim...
Que me entendem - e então me explicam!!
Que "ao menor sinal de perigo, entram em ação" - oferecendo colos, girassóis, poemas, ombros e companhia para cerveja. Ou pra dançar, ou ir ao cinema, correr no parque, tomar sorvete do América, fazer nada junto.
Que, quando eu conto a estória mais absurda, ao invés de sair dizendo o que pensam e se eu deveria ou não ter agido de tal forma, respira fundo e pregunta: " e como você está se sentindo?"
ou "onde é que você estava com a cabeça?"
ou, depois de uma "cagada anunciada", fala com serenidade: "bem feito, você sabia o que estava fazendo" e depois assopra.
Que, melhor dos elogios, me compara à Leila Diniz, dando uma leitura toda nova às minhas maluquices;
Que contam maluquices também, para ajudar a lembrar que "de perto ninguém é normal".
ou me presenteia com um vasinho para garantir que flores estarão sempre perto, ou uma bolsa de chita, pra alegrar dias nublados...
Que me acompanham no Segundas Intenções, nas cirandas, rodas de samba e até monólogos!!!
Que brotam via Email, MSN, telefone, pombo correio,sinais de fumaça pra garantir que estou inteira depois de um final de semana que prometia ser tenso. Ou depois de um tratamento com radiação.
Que surgem do nada só para me lembrar que existem - e evitar que "eu me mate de amor por uma pessoa só."
Que me ajudam a não criar mais dragões, a perceber que "he´s just not that into you", que para uma estória ser fofa, ela precisa primeiro ser uma estória.
Que me ajudam a pensar. E a rir de tudo, tudo, tudo... afinal, "se até a Jane Fonda"...
E puxam minha orelha, e dizem "vai passar", e dizem "isso também vai passar"... e que não desistem, não desistem de mim...
Como na semana passada, quando eu estava jururu e atendi aos telefonemas super rabugenta - afinal, não estavam me deixando fazer o que eu queria - ficar surtando em espiral!! Ainda bem que além de perpicazes, vocês são tão teimosos quanto eu!!
Fica este ""tratado sobre a Amizade": meio um agradecimento, meio presente de Natal.
Obrigada por tudo, principalmente pelo olhar atento. Amo vocês.


Tratado sobre a Amizade
Luiz Martins


Ficaremos amargos porque chove sem parar estragando-nos o passeio, porque o telefone não funciona, porque escorregamos numa casca de banana e sujamos roupa nova, porque essa vida é uma droga insípida, porque perdemos pai e mãe, porque as noites são longas, porque os homens são ferozes, porque os caminhos da morte são curtos eos da felicidade incertos, porque não conhecemos a rota para Pasargada? Não, não ficaremos amargos. Poderemos ficar tristes, desiludidos ou desesperados, mas amargos não. Se perdemos o avião, a carteira ou as ilusões, não perdemos tudo. Restam-nos os amigos.
Creio que um dia ainda hei de escrever um tratado, muito extenso, judicioso e acaciano, sobre a Amizade. Direi que a amizade é o mais puro dos sentimentos e que um bom amigo vale mais do que a jóia mais cara. Direi isso de um jeito solene e sisudo, como se estivesse desobrindo verdades insuspeitadas e precisasse ensiná-las aos homens. Não fará mal nenhum que riam de mim. Não será um livro para os críticos nem para o público geral, mas apenas para os meus amigos. Será mais particularmente ainda, para uns três ou quatro indivíduos de ambos os sexos que nos momentos das minhas angústias tenho certeza que mais próximo de mim vão estar, será para o amigo constrangido e “gauche” que nada saberá dizer para me consolar, mas que me olhará nos olhos com ternura e silêncio, batendo-me no ombro de certa forma comovida que eu bem hei de compreender e sentir; será para o amigo o mais dedicável, o mais incansável, o mais disposto a servir, e que por isso mesmo é sempre o mais importunado pelos problemas alheios; e será, sobretudo, para que teus olhos o leiam que hei de escrever esse livro absurdo – doce, admirável, devota amiga.
A essas pessoas que me querem bem hei de ensinar, por exemplo, que a Amizade é mais duradoura que o amor. E elas hão de ficar espantadas com minha ciência e boquiabertas, cheias de admiração, dirão umas às outras:”como ele sabe das coisas!” E, apesar de tudo, não ficarei vaidoso. Aceitarei esses elogios com um jeito retraído e modesto, tendo nos lábios um sorriso bastante simpático e um tanto idiota, sorriso de colegial que tirou o primeiro premio de comportamento no ginásio.
Sim, hei de escrever um dia esse livro tolo e comovido, que nenhum editor publicará, escreverei eu mesmo a mão, lentamente, carinhosamente, os quatro ou cinco exemplares que constituirão toda a edição. Depois, neles porei dedicatórias afetuosas, remetê-los hei pelo correio e passarei a escrever minhas memórias.

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