Wednesday, August 24, 2005

Apego

Trago dentro do meu coração,
Como num cofre que se não pode fechar de cheio,
Todos os lugares onde estive,
Todos os portos a que cheguei,
Todas as paisagens que vi
através de janelas ou vigias,

Ou de tombadilhos, sonhando,
E tudo isso, que é tanto,
é pouco para o que eu quero.
- Álvaro de Campos -


Esta imagem ( um bordado da Violeta Parra, lindo, lindo) e este poema, para mim, são a própria materialização do apego à memória.
Eu gosto de acreditar que meu apego pelas coisas é pequeno.
Por outro lado, sei muito do meu apego às pessoas, mesmo quando elas não sabem... e, mesmo esse meu pouco apego pelas coisas, é sempre apego pelas pessoas ou por momentos, disfarçado.
Quando roubaram meu carro, por exemplo (e já roubaram dois!!) não fiquei triste pelo(s) carro(s), mas por um lenço que meu irmão tinha pintado, por um caderno cheio de começos de pensamentos, por umas fotos de Jacaré dos Homens, por uma lagosta de pelúcia comprada num passeio com pessoas queridas em Boston...
Tenho que admitir - e é com um pouco de vergonha que admito isso! - que ando meio apegada a estes transbordamentos. Vai me dando uma pena de ver alguns escritos ficando lá prá baixo, escondidos... Talvez tenha um pouco a ver com esse meu jeito de querer carregar tudo em paralelo, não deixar nada prá trás (mesmo que muitas vezes tenha passado da hora de "let it go").
Os posts com fotos, por exemplo - melhores momentos de Julho, gnocchi em casa, meu aniversário, eu pequenininha... os textos mais queridos ( o canto para uma semente!!!), até a linha do tempo - que seria tão diferente agora, mas que ainda assim é tão retrato de mim... e mesmo alguns posts mais cheios de mágoa-com-pseudo-amigo-que-me-fez-tão-de-palhaça lá do comecinho- mas aí talvez seja menos apego e mais "instinto de auto-preservação" - não para cultivar rancores, mas para evitar cair em roubadas parecidas (ou para voltar a ter coragem de me deixar levar em outras roubadas deliciosas...)- enfim, toda essa arqueologia de mim...
O fato é que eu queria ser menos apegada às minhas próprias memórias... Mas esse exercício de "desapego" não é dos mais fácéis... até porque rola em paralelo um movimento contrário: uma vontade de tomar de volta - me re- apropriar - de coisas/lugares/poemas que dividi/dei de presente - aí, até sem mágoa, mas querendo muito ter preservado mais o que me era tão caro... (Como os meus sacis!!!)
O engraçado é que re-apropriar-me das coisas aqui se traduz em dividir com quem estiver passando...vai entender!

E o não querer que as coisas fiquem escondidas lá prá baixo deve ser reflexo desta vontade de manter este espaço mais como Mural de Cortiça e menos como cofre, de não "perder a coisa à vista"...

"Guardar...guardar...guardar
Guardar uma coisa não é escondê-la ou trancá-la
Em cofre não se guarda nada
Em cofre perde-se a coisa à vista
Guardar uma coisa é olhá-la, fitá-la
Mirá-la por admirá-la
Isto é, iluminá-la ou ser por ela iluminado
Estar acordado por ela
Estar por ela
Ou ser por ela."
- Antônio Cícero -

E, conforme vou criando esse "rastro de memórias", fico feliz, feliz por perceber tomando corpo, também, um rastro de amigos queridos - que insistem em ficar por perto mesmo quando eu me escondo, que eu insito em manter perto mesmo quando se afastam, que são um pouco anjo da guarda, que me "guardam" tanto...
Acho que no fundo, essa constelação de gente querida é um pouco a materialização desses apegos todos também. E isso é bom, muito bom.

3 Comments:

Anonymous Anonymous plantou esta semente...

Nâo resisti e fui olhar a linha do tempo - muito você, com certeza!!! Estando por perto há tanto tempo, adorei poder ler também as entrelinhas!
Mas concordo que hoje a estória já seria outra - só mesmo estando muito machucada para colocar no mesmo patamar este envolvimentozinho patético e as estórias tão mais profundas, tão mais a ver com você lá de trás. Continua escrevendo - eu continuo visitando!!
E você, quando me visita?

2:22 PM  
Anonymous Anonymous plantou esta semente...

Você n~~ao vboltou a cogitar a ideia do tatto de saci, né?
peloamordeDeus!!!

1:19 PM  
Blogger Ju T plantou esta semente...

Se preocupa, não, Lu - a última coisa que eu preciso é de um saci tatuado,rindo da mim e do papel de palhaça que eu fiz!! Já me basta essa cicatriz na mão - que me lembra o tempo todo o quanto eu fui trouxa...
hahaha - c´est la vie!!!
Se tiver outra idéia para a tatto, manda pra mim!

2:07 PM  

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