Tuesday, August 09, 2005

Descompasso

Somente quem tem saudades entende os recados dos jardins.
Queria o jardim dos meus sonhos, aquele que existia dentro de mim como saudade.
O que eu buscava não era a estética dos espaços de fora;
era a poética dos espaços de dentro.
Eu queria fazer ressuscitar o encanto de jardins passados,
de felicidades perdidas, de alegrias já idas.
- Ruben Alves -

Passada a euforia com preparativos de aniversários e outros eventos, sobrinhas gêmeas - e lindas! - nascendo, e overdose de ciranda nos finais de semana, me pego querendo , enfim, fazer a tal faxina... sem a urgência que eu sentia antes, de querer a todo custo me livrar de tudo antes do meu aniversário, mas de uma forma serena, simples balanço dos ultimos tempos e envolvimentos...
E - fique claro! - eu não quero ressucitar nenhum relacionamento.
Quero, talvez, ressucitar em mim a disponibilidade para me encantar novamente com as pessoas...

Ao "colocar ordem na casa", me deparo com uma certa saudade e muitas, muitas "eminências de presentes/ quase declarações/ mimos comprados e nunca entregues"... Resquícios de tempos e envolvimentos diversos, que foram se acumulando aqui e ali...

Começo a pensar um pouco sobre meus "padrões de relacionamento", como meu constante pé atrás faz com que eu economize nas manifestações de afeto... Se, por um lado, me sinto menos patética do que provavelmente me sentiria se tivesse transbordado todo meu carinho, por outro fica uma certa culpa por não ter cultivado devidamente/ espontaneamente ternuras...

Todas essas coisas de que falo agora - as particularidades dos dragões, a banalidade das pessoas como eu -, só descobri depois. Aos poucos, na ausência dele, enquanto tentava compreendê-lo.
Cada vez menos para que minha compreensão fosse sedutora, e cada vez mais para que essa compreensão ajudasse a mim mesmo a. Não sei dizer. Quando penso desse jeito,enumero proposições como: a ser uma pessoa menos banal, a ser mais forte, mais seguro, mais sereno, mais feliz, a navegar com um mínimo de dor. Essas coisas todas que decidimos fazer ou nos tornar quando algo que supúnhamos grande acaba, e não há nada a ser feito a não ser continuar vivendo.


Então, que seja doce.
Repito todas as manhãs, ao abrir as janelas para deixar entrar
o sol ou o cinza dos dias, bem assim: que seja doce.

- Caio Fernando Abreu -

Cada um vai sendo moldado pelas suas experiências e cicatrizes e, tenho que admitir que eu entro nos relacionamentos já na expectativa do final... começo a ficar tão ansiosa na eminência do fim, que quando ele acontece é quase um alívio – meio na linha da "profecia auto-realizadora". E é impressionante o quanto eu me deixo "afundar" nesta angústia da espera pelo fim...
E o padrão é sempre o mesmo: as coisas começam e eu muito reticente para me envolver, tateando, pisando em ovos... então eu começo a ensaiar baixar um pouco a guarda, dependendo dos rumos e afetos... quando eu finalmente crio coragem e baixo a guarda, quase disposta a viver algo maior que eu... pimba!! Vem o pé na bunda... (Em tempo: existe também um outro padrão: os relacionamentos "back stage", anos a fio, em paralelo, pano de fundo da minha vida sempre... mas essa é outra estória, fica para outro devaneio...)


Bom, se este é o padrão pra que me angustiar?

Eu não tenho a mínima intenção/pretensão de mudar minhas atitudes para que os relacionamentos se prolonguem - acredito muito que o que demanda muito esforço deve estar no caminho errado, então melhor que não vá mesmo muito adiante. E também acredito que a gente não pode sair mudando as atitudes para agradar os outros - fazer isso é eliminar o principal "filtro" que te protege de se envolver com pessoas que não tem tanto assim a ver com você...
Mas, se acabar logo mesmo quase que independente de minhas ações...

Então eu, "Rainha do descompasso", só quero mesmo tentar entender, definir qual a melhor forma de aproveitar esse intervalinho entre o início ( quase sempre inesperado) e o fim (ironicamente, super esperado!).

Apesar desse descompasso ter sempre imperado nos meus encontros e desencontros, textos e músicas tem um poder incrível de me encontrar nas horas mais certeiras... Foi assim que, do nada, me apareceu este trechinho da Clarice, como uma espécie de "redenção" dos meus mini relacionamentos todos,

Gosto do modo carinhoso do inacabado, daquilo que
desajeitadamente tenta um pequeno vôo e cai sem graça no chão.

Clarice Linspector


Então, como que por encanto - um, dois, três, como diria meu pai, em seu jeito peculiar de lidar com as coisas - eis que esse trechinho tão singelo lava qualquer restinho de mágoa e sensação de fracasso e deixa no lugar uma ternura gostosa... e até uma vontadezinha de incentivar novas tentativas de pequenos vôos, mesmo que fadados a cair no chão...
Voltando a Caio Fernando de Abreu...

"Agora apenas deslizo, sem excessivas aflições de ser feliz. (...)
Que seja doce. "

1 Comments:

Anonymous Anonymous plantou esta semente...

Que cada dia seja doce e pleno,mas muito pleno, porque esse dia e o mais importante de sua vida, pois como diz Fernando Pessoa :

Para ser grande,se inteiro: nada
Teu exagera ou exclui.
Se todo em cada coisa.Poe quento es
No minimo que fazes.
Assim em cada lago a lua toda
Brilha, porque alta vive.

Parabens pelas lindas e tao profundas palavras. Tenho muito orgulho, felicidade e emocao transbordante de ser sua mae.

8:24 PM  

Plante sua semente