Saturday, November 05, 2005

Abrigo do vento

Dificilmente o vento encontra um tradutor competente
que não o transforme em brisa ou em dilúvio
- Fabricio Carpinejar -

Eu estou demorando um pouco pra publicar os "posts do meio do furacao". - aquela preguica tipica, depois que tudo ja foi tirado dos armarios e o que era mais automatico e obvio colocado no lugar ou jogado fora - fica tudo aquilo que demanda pensar sobre, escolher o melhor lugar e forma de guardar, digerir, destrinchar com cuidado pra nao "throw out the baby with the bathwater", mas tambem para nao guardar um livro inteiro por uma frase apenas que se gosta...
Mas quanto mais o tempo vai passando, mais dificil parece ser me mobilizar para este "trabalho" - eh um pouco como se eu me acostumasse com a casa baguncada: pulando um montinho ali, cobrindo uma baguncinha la... entretanto, nao quero "perder" o momento para desentulhar um pouquinho a casa - daqui a pouco eh hora de receber visitas again ( e no fundo, a gente nunca sabe quando cai alguem de paraquedas na nossa vidinha, nao eh mesmo?) Entao, maos a obra, ainda que assim, meio tarde, meio com preguica, meio sem gancho pra o comeco de conversa, meio sem graca, ateh...

Algum tempo atras eu disse que precisava trazer mais ar pra dentro, tao inundado estava tudo... Mal sabia que viria por ai um furacao, desses de arrancar telhados e arvores gigantes e jogar carros em cima de casas... Acontece tambem, que um furacao, longe de ser um vento que seca roupas no varal, eh um vento molhado, quando nao anunciacao de tempestade... neste caso, entretanto, o vento chegou ventando primeiro e a chuva veio soh de leve, alias, quase como um carinho, no melhor estilo " bate e assopra". Mas, obviamente, a paisagem ja nao era a mesma...
O terreno aqui ja estava bem mais seco - e, sem a umidade para ajudar dar peso aas coisas, tudo pode voar (ou nao pode evitar de voar) ainda mais alto. E foi uma verdadeira rebeliao de ideias - a imagem que me vem a cabeca eh a de um daqueles sorteios dde cartas na TV: minhas memorias todas embaralhadas e jogadas para o alto, enquanto o destino, ainda mais ironico que o de costume, soh assiste para ver como elas assentam, para ver minha cara com a sedimentacao ainda mais anacronica do que a anterior, ja tao embaralhada... Enquanto eu, ainda no " olho do furacao", cartas voando em torno de mim, em espiral, tento agarrar algumas estorias que nao quero ver soterradas, piso em outras que nao parecem ter o direito de permanecerem assim por cima, enfim, tento em vao estabelecer alguma ordem.... E, gavetas todas abertas, comeco a temer pelas associacoes (talvez ainda mais pelas disassociacoes!) de memorias - que podem virar do avesso sentimentos , relevar tropecos, rever afetos, quaisquer que sejam... Eu, que nunca confiei muito em pontos finais (que podem se unir a qualquer momento e se tranformar em reticencias), observo apreensiva e comeco a ver algumas das estorias que eu procurei/precisei encerrar mais abruptamente/dramaticamente, com varios pontos de exclamacao !!!!, se tornando as mais vulneraveis, com os "pausinhos" das exclamacoes sendo levados pelo vento...
Assisto a tudo com "mixed feelings": medo de deixar que aconteca, medo de nao deixar (como se eu pudesse!) E o mais confuso, ateh entao, essa incerteza de como me sentir em relacao ao que vier a sentir: cumplice ou vitima? Tenho pavor de ser vitima, o que me torna, por exclusao, cumplice. "E o diabo na rua, no meio do redemunho..."
E sem poder correr pra organizar ideias, trancada em casa e em mim, o vento quase, quase vira diluvio... E no escuro. Eu, noturna que sou, precisando me comunicar que estava, dei pra escrever cartas. Que, obviamente, estou demorando a enviar e que ja sao um retrato muito defasado de mim. Porque "Ultimamente tem passado muitos anos" (Rubem Alves).

Tem jeito de requentado este post. Nao ha mais muita emocao genuina ( ateh ha - roubei pedacinhos de algumas cartas!) mas sim um esforco de resumir tudo, registrar "porque sim". Nao presta muito pra nada, mas vai assim mesmo - tenho pena de jogar fora e quanto mais tempo passar, mais requentado fica. Ou talvez seja simplesmente o vento transformado em brisa... E eu pouco acostumada a climas amenos, estranho...E me confesso mediocre tradutora do vento.

Mas, se "O espaço é a acumulação desigual de tempos" (Milton Santos), o que se dirá da memória, então? Fato eh que, enquanto a paisagem/ memoria se forma - e voce dentro dela- nao dah muito para ter a dimensao de como as coisas estao se sobrepondo, se consolidando... e talvez soh mesmo um furacao para tirar tudo do lugar e obrigar/permitir um redesenho do relevo...
Mas entao soprou o vento, que sopra onde quer,e a condenada sentiu
o assombro de haver nascido e a curiosidade de viver.
Viver so jeito que desse, onde desse, no tempo que fosse:
as horas de borboleta, os dias de mosca,os séculos de tartaruga
.
- Eduardo Galeano -

1 Comments:

Blogger Gigi plantou esta semente...

Querida, uma alo rapido, estou na loucura de trabalho, sem internet em casa, recebendo visitas de todos os lados, passeando e me metendo em mais confusoes do que se poderia esperar em tao pouco tempo.

Ventania ja passou e a civilizaçao jà esta de pé?

SAUDADES

Bisou

6:21 AM  

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