Thursday, July 14, 2005

Linha na agulha...

Já há alguns dias que ando pensando em "costurar" esses dois trechos que eu gosto muito...
meio sem tempo - e definitivamente precisando alinhavar melhor as idéias, deixo simplesmente os textos aqui, por enquanto. Só mesmo para não deixar o momento a que eles pertencem passar (e porque, no fundo, Camus e Clarice já tem todo um diálogo acontecendo...)


"...Já se disse que só vivemos verdadeiramente algumas horas de nossa vida. Isso é verdadeiro, em certo sentido, e falso em outro. Porque o ardor esfomeado que se vai sentir ( ...) nunca me deixou e. para terminar, ele é a vida no que ela tem de pior e de melhor. Eu quis, sem dúvida, corrigir o que ela produzia de pior em mim. Como todo mundo, tentei, bem ou mal, corrigir minha natureza pela moral. Mas, pobre de mim, foi o que me custou mais caro. Com energia, e isso eu tenho, às vezes chega-se a uma conduta segundo a moral, mas não se consegue ser. E sonhar com moral, quando se é um homem de paixão, é consagrar-se à injustiça, no próprio momento em que se fala de justiça. O homem me parece uma injustiça em movimento: penso em mim. Se, nesse momento, tenho a impressão de me haver enganado, ou de ter mentido, no que às vezes escrevia, é porque não sei como manifestar honestamente minha injustiça. Sem dúvida, nunca afirmei que era justo. Apenas me ocorreu dizer que era preciso tentar sê-lo, e também que era um sofrimento e uma desgraça. Mas a diferença é assim tão grande? E pode realmente pregar a justiça quem não consegue nem mesmo fazê-la reinar em sua vida?"

Albert Camus, ( prefácio de O Avesso e o Direito )



"Não pense que a pessoa tem tanta força assim a ponto de levar qualquer espécie de vida e continuar a mesma. Até cortar os defeitos pode ser perigoso - nunca se sabe qual o defeito que sustenta nosso edifício inteiro... Há certos momentos em que o primeiro dever a realizar é em relação a si mesmo. Quase quatro anos me transformaram muito. Do momento em que me resignei, perdi toda a vivacidade e todo interesse pelas coisas. Você já viu como um touro castrado se transforma em boi. Assim fiquei eu...Para me adaptar ao que era inadaptável, para vencer minhas repulsas e meus sonhos, tive que cortar meus grilhões - cortei em mim a forma que poderia fazer mal aos outros e a mim. E com isso cortei também a minha força. (...)

Gostaria mesmo que você me visse e assistisse minha vida sem eu saber. Ver o que pode suceder quando se pactua com a comodidade da alma."
(Clarice Lispector)

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