Tuesday, November 08, 2005

Fecha-te, Sezamo!

Eu tive medo de fechar a porta
e perder algum detalhe
Eu tive medo de ir embora...
(Antonio Cicero)


Em carta a um amigo, disse: "Ando tao envolta em ideias e pensamentos cheios de ganchos e portas (Links, para voltar para este seculo) (...) Sei la - talvez se fosse possivel, neste emaranhado todo encontrar uma ponta... nao sei se para comecar a desfazer o no, se para servir de ancora, se, simplesmente, para frear um pouco estes giros todos em torno de mim. Ou, mesmo que nao se encontrasse a tal extremidade do fio - quanta coragem sera necessaria para um mergulho no meio do furacao?"
Eh verdade que o furacao deixou como rastro um grande emaranhado. Mas o que eu tenho omitido eh que eu sei muito bem qual eh a ponta deste novelo. Talvez nao a ponta primordial, aquela que soh Freud explica, mas... com certeza o comeco deste novelo (novela??), e um pouco uma ancora sim, que eu deixei que me prendesse em mim mesma e girasse cada vez mais em torno de mim, como uma broca, cavando um vazio gigante, um verdadeiro fosso na alma, um medo absurdo de fechar a porta....

"Depois continuo a contar para mim mesmo, como se fosse ao mesmo tempo o velho que conta e a criança que escuta, sentado no colo de mim. Foi essa a imagem que me veio hoje pela manhã quando, ao abrir a janela, decidi que não suportaria passar mais um dia sem contar esta história de dragões.Consegui evitá-la até o meio da tarde. Dói, um pouco.
Não mais uma ferida recente
, apenas um pequeno espinho de rosa, coisa assim, que você tenta arrancar da palma da mão com a ponta de uma agulha.
Mas, se você não consegue extirpá-lo, o pequeno espinho pode deixar de ser uma pequena dor para se transformar numa grande chaga.
Assim, agora, estou aqui. Ponta fina de agulha equilibrada entre os dedos da mão direita, pairando sobre a palma aberta da mão esquerda. (...)"*
Foram tantos os ensaios para contar esta "estoria de dragoes"... Principalmente com essa minha nova vinda a Miami desta vez, 1,5 ano depois... Ainda em SP, todo um nervosismo. Um "Juliana:aconteca-que-acontecer-nao-olhe-para-o-lado-e-nao-fale-com-ninguem". Meu destino, nitidamente na fase experimental de seu PhD em Ironia Aplicada, coloca do meu lado um rapaz bem interessante, que puxa conversa descompromissada. Aproveito para exercitar minha cara de poucos amigos, abro uns devaneios de Bachelard e me fecho. "Sucesso"(??): a conversa morre ali. Chegando no aeroporto, angustia aguda, e como um filme, de novo, cada comentario doce, cada sorriso, cada brincadeira singela... Torco para nao ter fila na imigracao - nao sei quanto tempo suportaria estar ali, no lugar onde fui mais feliz... Por fim, aquele Abraco - "that incredible hug prior to our good bye" ... e depois eu indo embora, destruida, como se tivesse sido arrancado um pedaco de mim. Como se a partir dali nem houvesse chao, nem nada. Deixando pra tras aquele homem que parecia me conhecer antes mesmo que eu existisse, antes mesmo que eu me conhecesse, antes mesmo que eu soubesse... E eu indo embora, aos prantos, como se me despedisse do que parecia ser meu caminho, com um "esperanca de esperanca", certeza de alguma continuacao de conversa (qualquer que fosse), incerteza de qualquer outra coisa. "I don't know for how long I couldn't stop thinking about you" ele escreveria, nas semanas seguintes. I don't know either...
Logo de cara,"I don't know what to do - I just want to see you well and soon", " When would be a good time for me to visit?", " I remember when you went back to the tail of the plane, I've turn my had just to see you and even now, weeks and Km away from you, I get goosebumps just by thinking about you"... e cada palavra recebida, poderia ter sido escrita por mim, normalmente mais contida... E se seguiram outros e-mails, telefonemas, fotos, planos de ferias no Brasil. E eu mal acreditando nisso que parecia tao grande, na conexao brotada a bordo que nao se esvaia - pelo contrario: encontrava cada vez mais eco, ficava a cada dia mais tangivel... E eu "andando de maos dadas com o ar", gostando tanto!... e o que deveria acontecer no final de Julho virou inicio de agosto. depois final de agosto, inicio de setembro...


"Antes, antes ainda, o pressentimento de sua visita trazia unicamente ansiedade, taquicardias, aflição, unhas roídas. Não era bom. Eu não conseguia trabalhar, ira ao cinema, ler ou afundar em qualquer outra dessas ocupações banais que as pessoas como eu têm quando vivem. Só conseguia pensar em coisas bonitas para a casa, e em ficar bonito eu mesmo para encontrá-lo. A ansiedade era tanta que eu enfeiava, à medida que os dias passavam. (...)"*
... ateh que nao foi. Do inicio de setembro virou "sabe la Deus quando"... e os e-mail cada vez menores (em todos os sentidos), cada vez mais raros... ateh que nao foram tambem. E eu, simplesmente sem saber o que fazer: de mim, de tudo aquilo que foi crescendo dentro de mim, da falta de saber o que, de fato, aconteceu... mesmo que doesse (mais). Mesmo que... nem sei, agora.

"Tudo aos poucos começava a desabar. Feito dor, não alegria. Agora agora agora vou ser feliz, eu repetia: agora agora agora. (...)Naqueles dias, enlouquecia cada vez mais, querendo agora já urgente ser feliz. Percebendo minha ânsia, ele tornava-se cada vez mais remoto. (...). Tudo apodrecia mais e mais, sem que eu percebesse, doído do impossível que era tê-lo. Atento somente à minha dor, que apodrecia também, cheirava mal. Então algum dos vizinhos batia à porta para saber se eu tinha morrido e sim, eu queria dizer, estou apodrecendo lentamente, cheirando mal como as pessoas banais ou não cheiram quando morrem, à espera de uma felicidade que não chega nunca. Ele não compreenderia. Eu não compreendia, naqueles dias - você compreende?"*
Soh sei que eu, em circulos, fazendo eco agora soh mesmo dentro de mim - agora tudo tao vazio. Relendo e-mails compulsivamente para ter certeza de que eu nao havia inventado a estoria toda. Sem cumplices - nunca escancarei tanto essa estoria- preciosa demais para dividir a toa - indicio maximo do meu afeto (quando algo se justifica por se soh e nao pela euforia de sair contando), segui surtando sozinha. Afundando sozinha. Ficando doente - fisicamente doente, hospital e tudo. E tentando imaginar alguma forma de preencher os dias que tinhamos planejados juntos...

"Só quem já teve um dragão em casa pode saber como essa casa parece deserta depois que ele parte. (...)Mais triste: nunca mais nenhuma vontade de ser feliz dentro da gente, mesmo que essa felicidade nos deixe com o coração disparado, mãos úmidas, olhos brilhantes e aquela fome incapaz de engolir qualquer coisa.(...). No turvo seco de uma casa esvaziada da presença de um dragão, mesmo voltando a comer e a dormir normalmente, como fazem as pessoas banais, você não sabe mais se não seria preferível aquele pântano de antes, cheio de possibilidades - que não aconteciam, mas que importa? - a esta secura de agora. Quando tudo, sem ele, é nada. "*
"Tenho que sair, tenho que me divertir",repetia pra mim, tentativa desesperada, como se eu pudesse sair de mim mesma... Sem perceber que "Trair Ana, que me abandonara, doía mais que ela ter me abandonado, sem se importar que eu naufragasse toda noite no enorme corredor de transatlântico daquele apartamento em plena tempestade, sem salva-vidas."(Caio Fernando Abreu, in Ana sem Blues). Desacreditando dos rumos das coisas - eu que estava tao bem antes. Alias, nunca tinha estado melhor: contente com meu trabalho, com meu corpo, com minhas escolhas, com minha vida enfim! E mais confortavel dentro de mim, mais certa dos caminhos, finalmente colocando um ponto final num relacionamento longo que nao me fazia feliz.. Apogeu e queda, pensava. E a queda nao acabava nunca... se eu ao menos tocasse o fundo, seria um ponto de partida (Reconhece a queda/E não desanima/Levanta, sacode a poeira/E dá a volta por cima...) mas assim, na areia movedica... E, ladeira abaixo, soh me perguntava por que tudo isso...


"Hoje, acho que sei. Um dragão vem e parte para que seu mundo cresça? Pergunto - porque não estou certo - coisas talvez um tanto primárias, como: um dragão vem e parte para que você aprenda a dor de não tê-lo, depois de ter alimentado a ilusão de possuí-lo?
Os dragões não permanecem. Os dragões são apenas a anunciação de si próprios. Eles se ensaiam eternamente, jamais estréiam."*
E eu sentada ali na plateia, sem conseguir me convencer que o espetaculo tinha sido cancelado... Sem admitir que as vezes o show acaba mesmo quando nao se fecham as cortinas e a luz acende. Sem coragem de levantar - e se eu decido sair o e a apresentacao comeca? - fiquei ali, na plateia escura, ticket na mao - tantas outros espetaculos acontecendo, diziam! - e vontade nenhuma de arriscar, interesse nenhum por outros enredos. Agora, escrevendo, me veio a constatacao mais triste: imagino o palco, cenario todo montado, terceiro sinal, e os atores olhando para mim na plateia e decidindo que nao valia a pena. E, simplesmente saindo pelas portas dos fundos pra se apresentar para outras plateias. E eu ali, esperando explicacoes sobre o cancelamento, nova data ou sei la, o dinheiro da entrada de volta. Minha tranquilidade de volta. Minha alegria de volta.

Agora apenas deslizo, sem excessivas aflições de ser feliz.
As manhãs são boas para acordar dentro delas, beber café, espiar o tempo. Os objetos são bons de olhar para eles, sem muitos sustos, porque são o que são e
também nos olham, com olhos que nada pensam.
Desde que o mandei embora,
para que eu pudesse enfim aprender a grande desilusão do paraíso, é assim que
sinto: quase sem sentir. Resta esta história que conto, você ainda está me ouvindo?*

Um ano se passou. Um ano e quase tudo com gosto de "premio de consolacao". Um ano e, ontem, contando depois de tanto tempo esta estoria, eu ainda me abalo um pouco - o que me abala ainda mais. E agora, depois do furacao, depois de outros envolvimentos, depois de abandonar algumas plateias, ser abandona por outros atores...

"Fico cansado do amor que sinto, e num enorme esforço que aos poucos se transforma numa espécie de modesta alegria, tarde da noite, sozinho
neste apartamento no meio de uma cidade escassa de dragões, repito e repito este meu confuso aprendizado para a criança-eu-mesmo sentada aflita e com frio nos joelhos do sereno velho-eu-mesmo:
- Dorme, só existe o sonho. Dorme, meu filho. Que seja doce."*


Enfim, ai esta a estoria. a extremidade do novelo (uma delas, pelo menos). Um alivio grande por finalmente conseguir tirar ela de mim e uma certa tristeza. Alias, masi ateh uma "memoria de tristeza", ainda da constatacao de que "algo que supunhamos grande acaba e nao ha nada a ser feito a nao ser continuar vivendo"*. Entao respiro fundo e fecho de vez a porta. Nao que ela estivesse aberta, aguardando retorno, mas... sei la, fui adquirindo esse habito horrivel de olhar pelas frestas, sem muito motivo... quer dizer, acho que pra garantir que nao ha mesmo restos de ressonacias dentro de mim, mas tambem porque "Quando volto a pensar nele, nestas noites em que dei para me debrucar a janela procurando luzes moveis pelo ceu, gosto de imagina-lo voando com suas grandes asas douradas, solto no espaco, em direcao a todos os lugares que sao lugar nenhum"*. Esta eh a imagem que fica, embrulhada, com todo cuidado, em ternura e distancia necessaria. E portas fechadas, porque essas correntes de ar sao um perigo, ainda mais em tempos de furacao...

E pra terminar esta estoria toda confusa, soh mesmo emprestando um pouco de Clarice, num final de carta pra Fernando Sabino...
- "Dei um ar da tristeza? Nao, dei um ar de Alegria"
Porque, como disse um amigo, talvez os Dragoes nao conhecam o paraiso, mas o paraiso nao teria a menor graca sem os dragoes...
E, apesar de ter voltado muitas casas, nao endureci irremediavelmente. E percebi que tambem sei andar a galope, e cair, e levantar, e chorar e rir das estorias. E continuo preferindo a tempestade aa calmaria. E vou ter as melhores estorias pra contar para os meus netos...

* Todos os trechos ( a nao ser quando dito o contrario) foram extraidos do conto (no livro homonimo) "Os dragoes nao conhecem o paraiso" , do Caio Fernando Abreu. Livro esgotado, dificil de achar... se alguem quiser, eh soh dizer que eu mando copias...

3 Comments:

Blogger Gigi plantou esta semente...

Juju, esse texto é tão acertado que dà vontade de copiar ele inteirinho so para se apropriar melhor das palavras.

Também ando num fechamento de contas com meu dragão, que jà anda ao meu lado, sem nunca estar presente, hà quanto? Quase três anos, agora? Por ai...

De resto, estou em uma campanha longa para quebrar uma timidez de 2 metros de altura que de dragão não tem nada, mas tem um carinho da altura dele.

1:31 AM  
Anonymous Anonymous plantou esta semente...

Minha linda

Que bom que achou a ponta do novelo!
Que pena que demporou tanto tempo e sofrimento.
Como me disseram uma vez em sonhos:
"Você demora muito para se defender".
Parabéns pela coragem de olhar o dragão de frente.
Mamãe

8:12 AM  
Blogger Fernanda plantou esta semente...

Ju,
vc nao tem ideia de como eu fiquei depois de ler esse post. Tem horas que eu nao sei se a porta ainda ta aberta ou eu e que estou dando murro em ponta de faca (e me machucando mais ainda). Como e dificil tomar uma atitude nao?
Acho que esse e meu maior problema.
Desculpa por esses desencontros desde que vc chegou aqui... minhas coisas realmente estao uma bagunca ainda mais depois deste furacao que fez com que todas as minhas licoes acumulassem absurdamente. To morrendo de saudades!
Me avisa que dia vc vai embora exatamente. Queria tanto te ver.
Sabe... tem horas que queria largar tudo e voltar para o Brasil mas tenho muito medo... ah! essa vai entrar pra minha lista de resolucoes de ano novo... parar de ter medo! So atrasa a vida da gente e nao nos leva a lugar algum... Tem horas que a gente pensa que tudo ta bom so pq ta td tranquilo e a gente tem um pouco de conforto mas a gente para pra pensar e percebe que o verdadeiro nome pra isso e "ser acomodada" e nao tem nada pior do que se acomodar na vida e nao querer arriscar!
Valeu pelos posts!
Bjocas

2:40 PM  

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