Tuesday, August 30, 2005

Pertença ambulante

O que eu queria, e não posso, é por exemplo que tudo o que me viesse de bom de dentro de mim eu pudesse dar àquilo que eu pertenço. Mesmo minhas alegrias, como são solitárias às vezes. E uma alegria solitária pode se tornar patética. É como ficar com um presente todo embrulhado em papel enfeitado de presente nas mãos - e não ter a quem dizer: tome, é seu, abra-o! Não querendo me ver em situações patéticas e, por uma espécie de contenção, evitando o tom de tragédia, raramente embrulho com papel de presente os meus sentimentos. (...)

Pertencer não vem apenas de ser fraca e precisar unir-se a algo ou a alguém mais forte. Muitas vezes a vontade intensa de pertencer vem em mim de minha própria força - eu quero pertencer para que minha força não seja inútil e fortifique uma pessoa ou uma coisa.

(Clarice Lispector in "A Descoberta do Mundo")

O desejo de pertença é quase intrinseco a "ser" - a diferença talvez seja que alguns se sentem mais pertencidas, e outros, sei lá, são mais "côncavos" mesmo...
E, segundo a Antropologia do Imaginário, esse desejo de pertença está muito ligado à terra-mãe - Pachamama.
Como pode, então, esse meu "querer pertencer" ter tão mais asas que raízes???
Vai ver que que a teoria do Suassuna sobre os dois tipos de preguiça: uma com rabo e outra com asas, também se aplica ao desejo de pertença...
Aliás, no fundo no fundo, essa teoria se aplica a quase qualquer coisa...

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