Tuesday, June 28, 2005

Em vão

Revirei escritos antigos atrás deste poema e só consegui encontrar a parte que fala dos presentes nos meus escritos... engraçado, lembro de gostar, mesmo, mesmo só da primeira parte, mas não lembrava ter abstraído o resto a ponto de mutilar, permanentemente, o poema.
É que, até então, só mesmo esse comecinho fazia sentido... pena, hoje, ser o final a justificar - obrigar?- sua inclusão aqui...

A meio pau
Adélia Prado

Queria mais um amor. Escrevi cartas,
remeti pelo correio a copa de uma árvore,
pardais comendo no pé um mamão maduro
- coisas que não dou a qualquer pessoa -
e mais que tudo, taquicardias,
um jeito de pensar com a boca fechada,
os olhos tramando um gosto.
Em vão.
Meu bem não leu, não escreveu,
não disse essa boca é minha.
Outro dia perguntei a meu coração:
o que há durão, mal de chagas te comeu ?
Não, ele disse: é desprezo de amor.
Transcrevendo o poema aqui, me pego muito reticente em escrever a palavra amor. Arriscaria dizer que só escrevi "Amor" assim, pegando emprestado de outras pessoas, poemas, músicas... Deve ser pela combinação de muito respeito à palavra escrita e muito cuidado com o significado, mesmo.
Aliás, sempre me admira a facilidade/rapidez com que as pessoas dizem que amam outras. Fico pensando se estamos nos referindo ao mesmo sentimento/ intensidade de sentimento. Um pouco como eu pensava quando era criança e tentava entender se as pessoas gostavam de cores diferentes porque efetivamente as viam de forma diferente ou se era mesmo uma questão de o que aquela cor evoca em cada um. Imagino que seja muito"o que evoca dentro de cada um", mas tenho total certeza que não vemos as cores da mesma forma...
Então, quando eu vejo alguém declarando publicamente seu amor por outra pessoa, fico na dúvida sobre o que, efetivamente isso quer dizer...
Não tenho pretenção alguma de julgar intensidades/banalizações ou o que quer que seja, cada um é que sabe da intensidade do que sente... o que aliás, me leva a outro ponto, que eu percebi, muito razão do meu desapontamento...
Eu entendo que as pessoas se apaixonem por outras - being there, done that - mas... partindo do princípio de que cada um sabe a profundidade de seu próprio sentimento, (sabe por exemplo que ele é muito menos do que poderia ser, que é insuficiente para justificar permanências, todo o cuidado é pouco para evitar grandes cicatrizes... Se é tão menos do que se sabe capaz de sentir (que é algo que só quem sente pode avaliar), porque deixar parecer que é grande? que é para mergulhar de cabeça? que "a vida não fica muito melhor do que isso"?


Enfim, foram quase 27 anos para ter o impulso de dizer - e efetivamente dizer - "amo você".
Em vão.

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